18.10.09

 

A Política Honrada que Falta


Há momentos em que nos sentimos redimidos da luta que travamos pela objectividade na Política, procurando sempre analisar os fenómenos políticos, pelo que eles são em si mesmos e não em função do interesses particular ou do proveito que cada grupo neles encontre ou deles deseje retirar.

Sei que muitos não crêem nesta possibilidade, contrapondo que, na Política, só existem opiniões baseadas na subjectividade de cada grupo ou indivíduo. Esta visão, maioritária, sem dúvida, nasce da orientação meramente imediatista, oportunista e hedonista típica da época em que vivemos.

Com ela se formou a presente mentalidade que tudo mede pelo mais razo materialismo, como se a Humanidade contasse já os seus últimos dias de prazer e neles buscasse, com sofreguidão, o Carpe Diem dos Romanos, no esplendor da sua inelutável e terminal decadência.

Mas, se isto é assim para as maiorias que marcam o comportamento colectivo da época actual, cumpre reconhecer que, como em todos os tempos, continua a existir quem se recuse a ir na enxurrada, persistindo em ver com os seus próprios olhos e em avaliar com a sua própria inteligência os fenómenos que vão ocorrendo à sua volta.

Têm estas palavras que ver com o que se passou no País, nas semanas que precederam os dois últimos actos eleitorais, oportunamente verberado no justíssimo artigo intitualdo « Está Tudo Doido em Portugal » que José António Saraiva escreveu no Sol, no passado dia 9 de Outubro.

Com este artigo, JAS voltou a provar que pertence à estirpe dos Saraivas, a começar pela do seu Pai, o saudoso e eminente historiador da cultura portuguesa, António José Saraiva, autor de obras luminosas de sabedoria e originalidade, quer no domínio literário, historiográfico, político, quer mesmo no do estrito campo filosófico.

De resto, nos últimos anos e nas suas derradeiras obras era já evidente a sua forte inclinação reflexivo-filosófica, marcada por acentuada visão pessimista do nosso tempo, do ponto de vista intelectual, no entanto, extremamente estimulante, muito mais do que a dominante verborreia optimista, balofa, sem suporte na realidade.

Não admira que os acólitos incondicionais do Partido Socialista não tenham gostado deste artigo, como tampouco hão-de ter gostado do que esta semana JAS consagra ao humor televisivo dos Gatos Fedorentos, claramente contra a corrente do seu exaltado elogio, dado como novo boi Ápis da sociedade lusitana, que mantém subjugados quase todos os actuais agentes políticos, no seu espectro mais alargado.

Que crédito merecerá quem se mostra sempre disposto a justificar tudo aquilo que o seu Partido faz, ainda que contrariando a sua suposta doutrina, preceitos ou compromissos assumidos, promessas afirmadas, programas forjados e propostos com solenidade ao País deles expectante ?

Quem assim se comporta, procede mais como fanático membro de seita, do que como livre militante de uma organização política que se propõe lutar pelo bem comum da sociedade mais ampla a que pertence e não pelo exclusivo interesse daquela que apenas agrega os seus putativos correligionários.

Vê-se que, na actualidade, a Política em Portugal assenta numa hipocrisia circular que a todos toca e cativa, a par do comércio desmedido em que se atolou, na proporção em que esqueceu fundamentos e abandonou doutrinas, reduzindo tudo a jogos de interesses que têm de ser continuamente tecidos e atenciosamente servidos.

Tal espectáculo já a poucos surpreende e a menos ainda repugna. A prática política assim conduzida vai minando a sua credibilidade. Na verdade, na luta política não pode valer tudo. A luta política não deve servir para justificar todo o tipo de artimanha utilizado para desacreditar os adversários em presença, muito menos quando aquilo que distingue os contendores é, na verdade, escasso, em número e irrelevante, na ideologia.

Chega a ser desconcertante, analisar a pobreza ideológica ou doutrinal em que vivemos. Dir-se-ia que, politicamente, se deixou de pensar, porque aquilo a que se assiste é tão-só à discussão de formas de alcançar o Poder, técnicas de marquetingue adequadas a convencer as pessoas, o eleitorado a votar.

Uma vez no Poder os Partidos assemelham-se todos, tratam, fomentam negócios, se possível com contrapartidas imediatas ou a prazo, para quem os fomentou, individualmente ou para organizações, fundações ligadas aos Partidos a que os membros do Governo pertencem.

Se todos se resignarem com isto, a Política, como actividade nobre, acabou. Pelo visto, muita gente parece conformar-se com tal panorama, tanta, que até julga que vence, quando o seu Partido ganha eleições.

Talvez as multidões necessitem desta permanente ilusão. Por isso, gostam tanto de associar-se a algo ou alguém que lhes dizem ser vencedores.

Com o Futebol, desonrosa comparação, acontece o mesmo. As massas querem que o seu clube vença sempre, se não com mérito, mesmo sem ele, ainda que seja preciso fazer batota, como confessava a nossa simpática menina mandatária da juventude do Partido Socialista, a tal que prefere comer fruta sem caroços, nem grainhas ou então que haja empregadas que se ocupem da tarefa trabalhosa do seu desencaroçamento.

De resto, cada vez as pessoas assumem com a Política uma atitude semelhante à que mantêm com o Futebol, onde o que conta sempre e acima de tudo é vencer, ser campeão, altar em que se sancionam todos os meios, lícitos, semi-lícitos ou fraudulentos.

Infelizmente, a complacência com a corrupção e a desorganização do sistema judicial, acabam por premiar tão venais atitudes e tão ínvios caminhos trilhados na estrada do assim perseguido sucesso.

Como se poderá inverter esta tão desanimosa situação, se a maioria da população parece aceitá-la como inelutável, se não mesmo como normal ?

Talvez por isso alguns achem que a regeneração só poderá vir de cima, quando lá chegar alguém que a queira e a possa desencadear.

Porventura chamarão alguns a isto messianismo populista ou certo caudilhismo encapotado, mas, em alternativa, que poderão convincentemente preconizar, fora do ramerrão político-partidário em que temos vivido ?

Entretanto, deveremos continuar a denunciar o mal e a encomiar o bem. Que outra coisa resta a quem deseja permanecer na senda da decência humana ?

De novo e sempre : Nihil desperandum...

AV_Lisboa, 17 de Outubro de 2009

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